quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Excerto 2º - Sobre ser um verme ou um Deus


Pegue-se em um dia de sofrimento (não quero dizer que este é um dia ruim) e então reflita sobre o motivo de seu sofrimento. Como num distanciamento aéreo, se olhe por cima. Fora de si. E olhe também as casas ao redor. E perceba os acontecimentos nas casas vizinhas; suba mais e tente assimilar os simultâneos acontecimentos ao seu sofrimento, e perceber sua insignificância perante as situações e vivências do mundo ao seu redor. Isso não dissolve o sofrimento individual, mas o faz um motivo de riso de si próprio. O faz retornar a consciência de que sua divindade se estende até à porta da sua casa, e depois dali, desaparece lentamente até te igualar à um verme insignificante. Compreender o meio em que se vive de forma mais genérica, nos torna mais vermes do que Deuses. E vermes não tem motivos para viver. Só os deuses querem exercer suas virtudes, ter um motivo para executar suas boas ações e, conseqüentemente, se tornar motivo de adoração. Mas os vermes não têm motivos para viver, e riem junto ao acaso. E os tão poderosos Deuses temem o acaso e o ignoram, pois não sabem se despir dos orgulhos divinos e apreciar as desgraças vermífugas. Negam que Jesus defecava ou se excitava, pois isso não é divino, mas coisa de vermes. Mas os vermes não têm motivos para viver. E enquanto os Deuses se enlouqecem buscando razões existenciais, os vermes se deliciam tanto com as carniças quanto com os banquetes. Porque os vermes não tem motivos para viver, e não se limitam à motivos que privam a existênia de determinados aspectos, e determinadas perspectivas. Pois sem razões, lógicas e sentidos existenciais, não se deixam doutrinar e não se arrebanham em panteões de Deuses que vivem e morrem por motivos inventados por convenções sociais.
* Foto Liberdade..., tirada pelo campobelino Bill. Visitem o flickr: http://www.flickr. com/photos/ realidadetorta/

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Excerto 1º - Sobre a oposição entre a fé e a razão


Razão e espírito; bem e mal; e outros “pares de opostos”, como comumente são chamados. Uma bipolaridade que nos confunde as idéias, e a partir daí, a percepção da realidade. Opõe-se o desenvolvimento racional à uma evolução espiritual, que se sugere como algo mais sutil e que exige uma sensibilidade mais aguçada. Uma entrega ao que é divino e uma renúncia ao que é humano e material; chamamos a isso de fé... atitude que “remove montanhas” e que os cálculos matemáticos não podem conceber. Sublime é a ignorância dos que tem fé e que rejeitam o empirismo como sendo pecado e blasfêmia. Não se permitem sentir o que está submetido à sua crença na existência. Pois se a física quântica vem nos sugerir hoje um retorno às meditações místicas da antiguidade, como podemos opor racionalismo a espiritualidade? Apenas o foco é outro, mas o objeto se preserva mesmo que se revalorizando. Essa mesma racionalidade criticada é exercitada quando separamos em gavetas as dimensões da existência. Ora deambulando pelos domínios do espírito, ora, em outra rota, no que concerne a matéria e ao racionalismo; se divide em gavetas a unidade vital, e se confunde a existência em cansativas classificações, e segregações e conceitualizações. Se se sugere que o racionalismo é esterelizante e que nos impede de alcançar a “iluminação”, dada em cartilhas (ainda mais esterelizantes) por inúmeras linhas filosóficas. Se se sugere que se a espiritualidade nos conduz à uma bem-aventurança, à um estado de espírito auto-suficiente, realizado e desenvolvido. Mas o racionalismo trouxe algo magnífico: a exploração do que inquestionavelmente chamávamos de espírito e espiritualidade.

* Imagem do filme Andrei Rublev.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Abertura

Penso a escrita como uma forma de redenção. Anseios "sub-versos", vontades reprimidas, personalidades fugidias, entre tantas outras inconstâncias que nos assolam, se tornam palpáveis quando escritas com um mínimo de clareza.

Mas, para que revelar aos outros as inconstâncias que me são tão íntimas e talvez incompreensíveis por quem vê de fora?

Não sei!

Talvez os possíveis leitores possam me ajudar a esclarecer.

No momento, apenas uma tentativa de poetizar os dias cinzentos; ou de concretizar um conselho de um amigo.

"Já haviam me alertado que não degustaria a mais fina culinária de São Paulo. Nem ao menos os sabores artificiais mais realçados que despencam das prateleiras dos supermercados. O prato do dia (do café da manhã; do da tarde; do almoço; da janta...) seria macarrão. Molho de tomate. Com carne pra eles. Sem carne pra mim.
Mas, já com sorte, não comi só macarrão. Ovo cozido, arroz e batata palha fizeram da mesa o ponto de convergência pra jogar conversa fora numa tarde cinzenta, após acordar tarde num domingo qualquer. Um pequeno altar no canto direito da sala, embaixo da janela; dois ou três quarteirões abaixo da Avenida Paulista; o som de "Listen" do Talib Kweli ainda fresco na cabeça, floreado pela imagem de lindas negras com seus lábios fartos, cabelos enfeitados e cheiros encantadores.
No meio de poetas, eu me sentia insensível por não escrever poesia. Paradoxalmente, havia sido chamado de gay, mesmo que indiretamente, por carregar na mochila um bottom da Amelie Poulain.

- De quem é esta mochila?
- É minha!
- Amelie Poulain, cara?! Isso é coisa de menina.
- Ah é?!

Nunca entendi o motivo pelo qual ser comparado a uma mulher consiste em xingamento. Neste caso em particular, entendi que aparentava, por carregar o bottom e pela natureza do filme, ser uma pessoa sensível, sutíl e delicada. Como a Amelie Poulain. Ou, como uma menina. Mas assumir tal situação já é motivo mais uma vez de olhares atravessados que conduzem de novo ao ponto inicial:

- 'Pessoa sensível, sutil e delicada, cara? Isso é coisa de menina'.

Insensível ou não, nunca fui poeta, como os caros colegas que compartilhavam a refeição comigo. E minhas prosas, ou meus sub-versos, nunca foram revelados, se não à amigos íntimos. Mas estavam escritos, dispersos, espalhados por qualquer canto de minha casa. Mas eis que vem a provocação de um verdadeiro provocador:

- Por que você não faz um blog e taca suas coisas na net?"

Eis o blog. Eis os sub-versos tacados na net.
Contrário a proposta inicial, na qual eu não revelaria minha identidade, assumi quem sou eu e todas as possíveis implicações dessa postura. E em troca, por gratidão, revelo o provocador, que apesar de novo amigo, me soa tão antigo e caro: João.